Produzir ou co-produzir conhecimento: qual a necessidade da pesquisa com pessoas usuárias de produtos?
- Alberto Urbinatti
- 19 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
*Escrito em maio de 2021.
A autorreflexão aparentemente trivial sobre a necessidade de se fazer pesquisas com usuários traz uma série de outras questões. Uma delas é a compreensão de que o elemento-chave que está em jogo nas pesquisas é a produção de algum conhecimento. Pensando de forma simples, temos aquele conhecimento carregado pelo pesquisador de um lado, enquanto, de outro, aquele trazido por quem está sendo pesquisado. Em uma visão mais cartesiana, é o pesquisador que produz o conhecimento a partir das interações com os usuários. Mas há muitas outras interações simbólicas e sociais que estão envolvidas para a mágica dos resultados acontecer.
Buscando responder à pergunta retórica colocada no título, começo lembrando de dois termos recorrentes sobre a produção de conhecimentos. O primeiro é o chamado conhecimento fundamentado somente para a pesquisa (ou ‘knowledge-driven’). O segundo é o conhecimento orientado para decisões (‘decision-driven’). Eles aparecem de forma breve no texto de Maria Carmen Lemos e Barbara J. Morehouse intitulado “The co-production of science and policy in integrated climate assessments” (2005) que, apesar de tratar das questões climáticas, traz contribuições que podem ser repensadas aqui para o processo de pesquisa em design e produto.
As autoras mostram que um caminho do meio entre os dois tipos de produção de conhecimento tende a ocorrer a partir de interações cotidianas mais próximas entre pesquisadores, formuladores de decisões e público em geral. Dentro dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (Science and Technology Studies, em inglês), apesar de sua amplitude enquanto campo de estudos, Sheila Jasanoff cunhou o termo ‘co-produção de conhecimentos’ justamente com esse objetivo, reconhecendo a abertura persistente e a diversidade de saberes nos processos de pesquisa.
Como mostram os professores Andy Stirling, Adrian Ely e Fiona Marshall no texto “How do we ‘co-produce’ transformative knowledge?” de 2018, a concepção de co-produção pode ser vista por dois olhares contrastantes: um mais ‘positivista’, no qual o conhecimento é gerado por diversos atores em cenários específicos, e outro mais ‘construtivista’, que considera que todo conhecimento é coproduzido na medida em que é moldado pelos contextos de cultura e poder. Isto não quer dizer que cenários específicos são desnecessários; muito pelo contrário, é simplesmente um chamado para a importância de reconhecer que todo conhecimento é moldado pelo poder (‘power shapes knowledge’). Dito de outra forma, o conhecimento também se torna instrumento de poder.
É inegável que a pesquisa com usuários tem crescido nos últimos anos como forma de criar melhores bases para a tomada de decisões sobre produtos, serviços e negócios. Há cada vez mais profissionais de diferentes áreas no mercado que se interessam pelo entendimento das necessidades e comportamentos para desenhar soluções. Isto torna a área de UX, mais do que nunca, interdisciplinar por essência. Ao mesmo tempo, existem relações de poder advindas dos backgrounds próprios de cada participante envolvido no processo de criação de um produto. Como equilibrar essas forças?
Lemos e Morehouse sugerem seus próprios olhares para o conceito de ‘iteratividade’, enfatizando a necessidade de construção de redes internas e externas eficazes a ponto de manter fluxos contínuos de informação e participação entre pesquisadores, tomadores de decisão e público. No modelo que sugerem, além do fluxo de informação entre os ‘produtores’ e os ‘usuários’, há uma remodelação de percepções, comportamentos e agendas de ambos os grupos que são parte fundamentais da iteração. Em outras palavras, de acordo com as autoras na página 61, “a pesquisa iterativa, quando bem executada, produz uma interação sustentada e regular entre os participantes e cria relações entre ciência e tomada de decisões que podem moldar os caminhos pelos quais o conhecimento é produzido, bem como a maneira pela qual a utilidade e o valor do conhecimento é percebido” (tradução livre do autor).
A partir dessa sugestão, ser interdisciplinar e interativa, reconhecendo relações de poder pré-existentes de cada participante é um passo importante para tornar a área de UX cada vez mais robusta. Além disso, é crucial reconhecer os diferentes graus de conhecimento envolvidos, a disponibilidade de recursos financeiros e humanos e o quanto a ciência produzida é utilizável e atende às necessidades dos usuários. Garantindo esses pilares, produção se torna co-produção, na medida em que todas as partes se sentem pertencendo ao processo em dinâmicas mais horizontalizadas. Não é fácil. Contudo, a ideia é facilitar caminhos para que os usuários que estão na ponta do processo se tornem ao mesmo tempo aqueles que produzem, pertencem e experienciam a criação.

Modelo de co-produção de Lemos e Morehouse (2005)



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