Habitat-experiência: o UX design na interação humano-computador dos dias atuais
- Alberto Urbinatti
- 19 de mai. de 2024
- 4 min de leitura
*Escrito em agosto de 2021.
“Estamos no limiar da próxima revolução na interação usuário-computador: uma tecnologia que levará o usuário através da tela para o mundo ‘dentro’ do computador — um mundo no qual o usuário pode interagir com objetos tridimensionais cuja fidelidade vai aumentar à medida que cresce a potência da computação e progride a tecnologia de visualização. Esse mundo virtual pode ser tudo que o designer fizer” (Walker, 1990).
É com esse trecho instigante de John Walker que Laymert Garcia dos Santos abre o capítulo 5 de seu livro Politizar as novas tecnologias: o impacto sociotécnico da informação digital e genética (2003). O capítulo é intitulado "Considerações sobre a realidade virtual" e é baseado em um texto apresentado no evento "A sociologia no horizonte do século XXI", ocorrido em maio de 1995 na Unicamp. Laymert comenta a frase de Walker com as seguintes palavras:
"A realidade virtual é, portanto, a geração de um mundo a partir de uma relação humano-máquina, um mundo criado artificialmente, que o usuário, depois, pode 'habitar'" (Santos, 2003).
Ao fazer um esforço de compreensão daquele momento de fim de século, o primeiro ponto que me chama atenção é que tanto Walker quanto Laymert usam a palavra "pode" ao colocar em discussão a interação humano-computador (IHC). "Pode", do verbo "poder", denota, nesse caso, expectativa e probabilidade. Há nelas, em primeiro lugar, um devir de espaço que tenderia a criar novos habitats para os seres humanos, principalmente 'dentro' dos computadores que conhecemos hoje como desktops. Em segundo lugar, há no conteúdo da própria mensagem a outra faceta do "poder": aquela que está relacionada com controle. Em outras palavras, se por um lado o humano intensificava sua criação e controle de novos espaços cibernéticos onde poderia habitar, por outro, o controle do computador sobre o humano também se dava pela coação sensorial cada vez mais aguçada desse espaço-tempo relativo, ou espaço-tempo da invenção nas palavras de Laymert (p. 114).
Ao que me parece, as expectativas e probabilidades colocadas ali estão, atualmente, no back-end das complexas redes de IHC em uma variedade de dispositivos. Nesse contexto, o segundo ponto que mais me chama a atenção é o papel do designer enquanto projetista destas novas realidades. "Esse mundo virtual pode ser tudo que o designer fizer" traz ao mesmo tempo a centralidade do trabalho e a responsabilidade da criação de interfaces tecnológicas que possibilitam novos espaços de vida para os usuários. Evidentemente, o designer não está sozinho nessa, há uma série de pessoas envolvidas desde o propósito do negócio até o desenvolvimento da solução; mas é como se ele projetasse essa ponte até chegar no usuário final.
As intersecções entre o trabalho do designer e a IHC são muitas. Algumas delas foram abordadas por Lilian Xiao a partir de diferentes "ondas". A autora mostra que na década de 1980 tivemos uma primeira onda da IHC marcada por um espelhamento dos modelos mentais de organização dos escritórios para dentro dos desktops, representando lugares onde coisas podem ser guardadas. Um dos focos de Xiao é mostrar como o trabalho dos designers ainda hoje carrega elementos de cada uma das ondas. No caso da primeira, continuamos a utilizar técnicas da época, tais como abordagens cognitivas, avaliações heurísticas e testes de usabilidade.
A segunda onda diz respeito à década de 1990, época em que Walker e Laymert escreveram. Ela representou um foco maior no design interativo, isto é, foi o início da IHC como espaço comunicativo e de compartilhamento de conhecimento. Nessa fase, começou a se tornar crucial entender como as interfaces influenciavam o comportamento humano. A autora relembra que o resultado disto foi a expansão da IHC enquanto campo multidisciplinar, principalmente ao incluir a experiência de sociólogos, antropólogos e psicólogos para que pudessem estudar os componentes sociais da interação humano-computador. Metodologias como a etnografia ainda são fundamentais para informar o trabalho de design.
Xiao ainda cita uma terceira onda que se iniciou nos anos 2000 como sendo a da autoexpressão e autorreflexão. Nela, a internet inaugura o fenômeno do "alone together", ou seja, o lugar em que estamos sozinhos e juntos ao mesmo tempo. Aqui o papel do designer se aprofunda na criação de interfaces que buscam melhorar a experiência humana. Nas palavras dela, em tradução livre, "encorajar as pessoas a interagir com a tecnologia em seus próprios termos, apoiar seu desenvolvimento e aspirações individuais".
Não é à toa a comparação do trabalho do designer de interação e experiência do usuário, ou UX designer, ou designer de produto, com a figura do arquiteto, ou arquiteto da informação como já foi conhecido. Ele é responsável por projetar esse espaço em que o usuário irá habitar. Mas é mais do que isso. Principalmente a partir da terceira onda, é a experiência que é projetada, e ela não se restringe ao lugar.
Apesar de dialogar com pequenos recortes dos textos de Walker e Laymert, a ideia aqui era abri-los para pensarmos no trabalho atual dos designers de experiência do usuário. Com isso, tendo em vista o aprofundamento dos times de pesquisa em produtos digitais e o avanço das técnicas de coleta de dados, pode-se dizer que é o próprio usuário que tem ajudado, mais do que nunca, a projetar a sua própria experiência em realidades virtuais mais ou menos complexas. Termino aqui com uma pergunta provocativa: Esse mundo virtual pode ser tudo o que o usuário fizer?
Referências
Santos, Laymert Garcia dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sociotécnico da informação digital e genética. São Paulo: Editora 34, 2003, 320 p.Walker, John. "Through the looking glass", in Laurel, B. (org.). The art of human-computer interface design, Reading, Addison-Wesley, 1990, citado por Laurel, B. Computer theatre, Reading, Addison-Wesley, 1993, p. 186.




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