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Notas digitais sobre a experiência do jazz no mundo dos dados

  • Foto do escritor: Alberto Urbinatti
    Alberto Urbinatti
  • 19 de mai. de 2024
  • 4 min de leitura

O projeto Linked Jazz criando novas possibilidades de acesso a patrimônios culturais digitais


*Escrito em fevereiro de 2022.


Adorno podia lá ter seus motivos para tecer críticas ácidas ao jazz enquanto um produto mercadológico que beira a "desarte" [Entkunstung]. Em On Jazz, por exemplo, ele buscou enquadrar o estilo em sua função social, entendendo que quanto mais entranhava na sociedade norte-americana, mais elementos reacionários assumia e, por consequência, mais banal se tornava. Críticas à parte, o jazz continuou tendo poderes atemporais de fascinar.


O magnetismo talvez esteja nos diferentes graus de experiência — de natureza acentuadamente envolvente— que entrega aos ouvintes, desde os mais comuns até os especialistas. Arrisco dizer que, de modo geral, principalmente a partir da década de 1960, ele consegue trazer em proporções similares doses de estrutura e acaso. Isto é, um passeio entre a partitura e a improvisação. E proponho além: a experiência parece ser constituída por sua própria herança genealógica. Com isto quero dizer que, em uma análise minimamente distanciada, é preciso considerar a composição do jazz enquanto campo musical complexo para entender a experiência proporcionada.


Ted Gioia nos ajuda a desvendar as origens do estilo no livro The History of Jazz (1998), que contou com influências fundamentais de diferentes ritmos de matrizes africanas. Em determinada passagem Gioia conta que a música e a dança de raiz africana estabeleceram um novo paradigma artístico para os EUA do século XIX: o rompimento da divisão entre a música e a dança. E, com ele, a impossibilidade de separar o artista de sua audiência como a arte “ocidental” costumava fazer. No entanto, essa é apenas uma pista, pois como bem relembrou Peter Keepnews (em artigo publicado em 1997 no New York Times), o crítico e historiador Stanley Dance costumava dizer que a história completa do jazz não poderia ser contada corretamente em menos de cinco ou seis volumes.


O jazz indica ser, por essência, um fenômeno comunitário de experiências particulares. Começando pelo final, a maneira como a experiência é absorvida pelo público não poderia deixar de ser particular. Pois se apresenta aqui algo muito mais profundo que diz respeito ao encontro de experiências individuais históricas que se cristalizam no momento. E é comunitário porque, em última análise, há encontro.


Recorro ao texto de Felipe Nascimento publicado aqui no Medium em março de 2021, elucidando as principais fases principais do jazz. A primeira dimensão do encontro está no seu nascimento (1890–1900) dentro de comunidades formadas por negros na cidade de Nova Orleans, com também influências francesas, espanholas e anglo-saxãs. Segundo, do encontro entre músicos profissionais e amadores se originou o estilo chamado "Chicago" (~1920). Terceiro, do encontro entre Nova Orleans e Chicago nasce o Swing Jazz, que deu nova roupagem às big bands (~1930). Dando um salto para a década de 1960, com o início do que ficou conhecido como Free Jazz, fortemente marcado pelas improvisações, o encontro dá espaço às intensas conexões entre músicos que se dão suporte. Há, portanto, uma dimensão colaborativa no palco e fora dele.


Como escreveu Ruy Castro, em sua coluna para a Folha em 15 de janeiro de 2022:

"Os americanos não deixavam passar. […] Duke Ellington [gravou] com Charles Mingus, Miles Davis com John Coltrane. Nenhum deles saiu menor desse encontro. Só a música saiu maior".

Foi ao buscar explorar essas relações de colaboração no jazz que cheguei no admirável projeto Linked Jazz. É uma pesquisa que investiga conexões entre documentos e dados relacionados com a vida pessoal e profissional dos artistas do jazz, a partir de tecnologias Linked Open Data.


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Linked Jazz Network Visualization Tool

A pesquisa é coordenada pela Prof. Cristina Pattuelli, do Pratt Institute School of Library Information Science, em Nova York. Em tradução livre:


"O projeto se baseia em materiais de história do jazz em formato digital para expor as relações entre músicos e revelar sua rede comunitária. Novos modos de conectar dados culturais têm o potencial de abrir novas e sem precedentes avenidas de pesquisa e engajamento comunitário". (Linked Jazz Project)

As possibilidades são muitas. É possível passar horas lendo transcrições de entrevistas, trechos de documentos, entre outros. Basta escolher um artista e desfrutar da sua rede apresentada. Como exemplo, elegi Dave Brubeck.


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Depois, dentre as possíveis conexões, selecionei Duke Ellington, que estava relativamente próximo.


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Então cheguei a uma série de registros em que Brubeck cita Ellington, tal como na entrevista abaixo, quando perguntado sobre suas referências.


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O projeto é uma espécie de síntese da experiência comunitária do jazz através da experiência particular da visualização. Pois, dentro da estrutura de redes proporcionada, temos a chance de criar interações e definir os patrimônios culturais digitais que mais nos interessam.

Para concluir, volto a outro trecho (anterior) da mesma coluna de Ruy Castro que, ao falar da Bossa Nova, diz:


“Veja agora esse time: João Gilberto, violão; João Donato, piano; Tião Neto, contrabaixo; Milton Banana, bateria. Só em sonho? Não. Em 1963, eles tocaram por três meses em Viareggio, no sul da Itália. Alguma noite terá sido gravada? Se sim, onde estão as fitas? Se não, por que um estúdio de Roma não teve essa ideia? Porque aquilo era normal, a grande música abundava”.

Está aí colocada a importância do registro. Entre as coisas boas, o mundo dos dados nos possibilita tornar encontros e momentos passados experiências de longo prazo. Para a sorte de quem gosta de jazz, há bastante registro. Consequentemente, dados. E graças ao Linked Jazz, prosperidade para novas pontes entre dados, cultura e história.


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