Lidemos com o vazio dos nossos tempos
- Alberto Urbinatti
- 19 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
Os produtos tecnológicos nos desafiam a lidar com o vazio de maneira a criar complementaridades e boa usabilidade
*Escrito em junho de 2021.
A ideia de vazio está presente há bastante tempo no campo das artes. Já na década de 1920, o artista russo Antoine Pevsner (1886–1962), que ajudou a compor o que ficou conhecido como Construtivismo Russo, inovou ao trazer a contraposição entre o cheio e o vazio, bem como entre o claro e o escuro.
Pouco tempo depois, o escultor e desenhista britânico Henry Moore (1898–1986) também se destacou pelo jogo dialético similar. Moore criava aberturas nas esculturas a partir de concavidades e furos através das formas, o que parecia chocar à época por se tratar de sugestões de figuras humanas.
No contexto brasileiro, o artista Franz Joseph Weissmann (1911–2005), austríaco radicado por aqui, foi um dos que contribuiu fortemente para a consideração do espaço vazado como elemento constituinte da obra. Ele chegou a definir esse movimento como vazio ativo, no qual o espectador é convidado a enxergar e sentir através dos seus trabalhos. Na década de 1950, Weissmann ajudou a compor o Grupo Frente e foi cofundador do Grupo Neoconcreto.
Quando tomamos a escrita como exemplo, o vazio se torna ferramenta recorrente de escritores por meio das elipses e zeugmas. Basicamente, elas são figuras de sintaxe que ocorrem por meio da supressão de termos, criando vazios narrativos subentendidos. Dois bons casos foram lembrados pela professora Celina Gil: o primeiro é o trecho “Na sala, apenas quatro ou cinco convidados”, de Machado de Assis, em que “havia” é suprimido; o segundo, “A igreja era grande e pobre. Os altares, humildes”, de Drummond, em que “eram” não aparece. É como se nós leitores completássemos mentalmente aquilo que não está visível.
No design, o vazio é tema vital. Como disse Kenya Hara, designer japonês, “O vazio, independentemente de quem o utiliza e como, é a busca da liberdade em última instância. Quando um objeto está vazio, ele está pronto para receber qualquer imagem ou uso” [tradução livre]. Em texto publicado aqui no Medium, Nick Babish mostra que, no design gráfico, o chamado espaço em branco (whistespace) ou espaço negativo (negative space) ajuda a (1) melhorar a compreensão, (2) tornar mais evidentes as relações, (3) atrair a atenção e (4) criar um aspecto de luxo/importância.
Um dos princípios amplamente conhecidos em UX é o da visibilidade, sugerido por Don Norman em “O Design do Dia-a-Dia”. Norman resumiu no prefácio do livro que: “Um dispositivo é fácil de usar quando há visibilidade para o conjunto de ações possíveis, onde os controles e displays exploram mapeamentos naturais” [tradução livre]. Contudo, o paradoxo se apresenta quando consideramos a máxima de que o bom design é aquele que é invisível. No fundo, o que parece estar em jogo aqui é justamente a complementaridade entre o vazio e o cheio que pode tornar os elementos mais visíveis.
Os produtos tecnológicos dos nossos tempos nos desafiam, portanto, a lidar com o vazio de maneira a criar complementaridades e boa usabilidade. Como é de se imaginar, não há necessariamente fórmulas prontas pra isso; em última análise, quem nos dirá se estamos em um caminho coerente são os próprios usuários. Minha sugestão, nesse sentido, é a de que consideremos o vazio como janelas abertas em nossos produtos e serviços, assim como propôs Franz Weissmann. Parafraseando o artista, a intenção do vazio é “abrir as janelas para ver, através delas, o mundo”.







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